Branding em tempos polarizados: reflexões a partir do caso Havaianas

A recente campanha publicitária da Havaianas, estrelada pela atriz Fernanda Torres, transformou o que poderia ser uma simples peça de fim de ano em um dos maiores debates de comunicação corporativa no Brasil em 2025. A propaganda, em que a atriz diz “não quero que você comece 2026 com o pé direito”, foi interpretada — por parte do público nas redes sociais — como uma mensagem com conotação política, desencadeando uma onda de críticas especialmente no espectro político de direita.

O cerne da controvérsia não está no conteúdo literal da mensagem, que no fundo propõe um convite à ousadia e à vivência intensa (“com os dois pés onde você quiser”), mas na leitura que parte do público fez dessa fala como se fosse um posicionamento ideológico camuflado. Essa interpretação originou convocações a boicotes, vídeos e posts de pessoas destruindo suas sandálias Havaianas e incentivando a compra de marcas concorrentes, como Ipanema. Metrópoles+1

O episódio expõe um ponto sensível: a polarização política no Brasil atingiu um patamar em que até a linguagem de marketing é vasculhada em busca de alinhamentos ideológicos. Expressões originalmente neutras ou motivacionais podem ser reconfiguradas por grupos organizados como declarações de posição política — um sinal de alerta para marcas com grande presença cultural e histórico tão ligado à brasilidade quanto a Havaianas.

Do ponto de vista estratégico, essa reação ilustra dois riscos principais de comunicação corporativa contemporânea:

  1. Superinterpretação de narrativas simples: quando elementos simbólicos (como começar o ano “com o pé direito”) são associados a discursos políticos, o potencial de mal-entendidos cresce significativamente em ambientes polarizados.
  2. Impacto financeiro imediato: relatos indicam que a polêmica chegou a refletir nas cotações de mercado da empresa controladora, a Alpargatas, com perdas relevantes em valor de mercado em curto prazo.

Por outro lado, a reação contrária também mostra que há uma fatia do público que defende a liberdade criativa da marca e rejeita a ideia de que toda mensagem de uma empresa deve ser automaticamente enquadrada num espectro ideológico. Alguns observadores nas redes ressaltam que o comercial, em sua essência, era apenas um convite motivacional para viver o ano com intensidade, sem qualquer mensagem política explícita — um argumento que destaca a necessidade de distinguir entre intenção do emissor e interpretação do receptor.

Em resumo, o que aconteceu com as Havaianas é um alerta para marcas e comunicadores: a atual conjuntura social exige muita clareza de posicionamento, precisão na linguagem e sensibilidade ao contexto cultural, porque mesmo campanhas aparentemente inocentes podem ser lidas como statements políticos. Ao mesmo tempo, o episódio reforça a importância de as marcas definirem com clareza seus valores e não cedam a pressões que possam diluir sua identidade — desde que essa identidade seja articulada de forma respeitosa e transparente com todos os públicos.